Entrevista com Julianne Moore
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Julianne Moore recebeu a reportagem do Jornal do Commercio no Hotel Martinez, em Cannes.
pór Kleber Mendonça Filho
Pergunta – José Saramago viu o filme?
JM – Ainda não, a filha dele estava na sessão oficial, ela gostou muito, o que me deixou feliz. Nesta próxima sexta, eles vão levar o filme para Lisboa para que ele o veja.
KMF– O seu personagem, "a mulher do médico", sai fortalecida no filme. Quando de você mesma foi no fortalecimento da personagem?
JM – Como atriz, a melhor coisa que você tem ao seu dispor é você mesma. Você tenta sempre enfocar do ponto de vista dela e aí você vai se colocando aos poucos. Com essa personagem, eu não conseguia nem enxergar o seu "o arco", se é que ele existe, eu só tinha que ir daqui para ali. Literalmente, ela ia por partes, tipo, "hoje eu faço isso", "hoje eu lavo as roupas dele", "isso está sujo". Há uma cena que infelizmente foi cortada onde eu lavava o cabelo de Alice (Braga), ela tentava se lavar na pia e eu chegava e lavava o cabelo dela. Não era um sistema onde ela pensava "vou ajudar essas pessoas que não estão enxergando", mas pequenos passos tomados em direção a um senso de responsabilidade.
KMF– Qual seria o objetivo do filme para vocês que o fizeram?
JM – Filmes não prevêem nada, filmes apenas refletem. Quando você adapta literatura, tenta-se iluminar uma história com o próprio cinema, tenta-se habitar essa história. Não faz parte do meu trabalho dizer o que vai acontecer porque, afinal de contas, esse filme reflete uma ansiedade que aflige toda uma cultura globalmente. Como Fernando diz sempre, há várias maneiras de olhar para essa história, politicamente, socialmente.
KMF – A cena que muitos comentam no filme é a do estupro do grupo de mulheres, também momento forte originalmente do livro.
JM – Nós nunca duvidamos da capacidade e delicadeza de Fernando para tocar essa cena. Sabia que ele seria específico e cuidadoso em relação ao que ele precisava. Também tínhamos um grupo de atores muito conscientes em relação aos sentimentos dos colegas. É também uma cena importante também até por fazer alguns questionar "será que as pessoas desceriam àquele ponto?" É claro que sim, e um comportamento conhecido nas guerras, estupro. Na verdade, trabalhar o livro Ensaio Sobre a Cegueira é tarefa tão árdua para o ator, especialmente para o meu papel. Como atuar e mostrar que ela quer fazer algo, mas ela não faz? A direção de Fernando (Meirelles) me permitiu desenvolver isso, pois ele administra tanta informação ao mesmo tempo em que ele pinta o quadro com um pincel pequeno, que deixa que o seu rosto fale muito do que fica implícito.
KMF – Na coletiva de imprensa você parecia empolgada com a idéia de filmar com diretores de outras nacionalidades, Fernando Meirelles, brasileiro, um filme recente seu ainda em finalização – Shelter - dirigido por dois suecos, Måns Mårlind e Björn Stein. Há uma diferença entre trabalhar com diretores americanos e estrangeiros?
JM – Eu sou uma atriz americana e aço filmes, em grande parte, americanos. No entanto, o mundo está mudando e essa "experiência global" está se tornando mais presente e ganhando reflexo no mercado de cinema. Ao mesmo tempo, não há uma diferença. É claro que há diferenças culturais, o que, obviamente, vira piada rapidamente, "o que faz os suecos serem o que são?", "porquê brasileiros são diferentes?", mas no final das contas, quando você está ali trabalhando, todos usam o mesmo vocabulário, o do cinema. Outra coisa é que, como artista, abre literalmente outros mundos para você que não estavam disponíveis dez anos atrás, ou mesmo cinco anos atrás. Ensaio Sobre a Cegueira, por exemplo, foi financiado com dinheiro do Japão, Canadá e do Brasil.
KMF – Vendo ano passado Pecados Inocentes aqui em Cannes, fica difícil não cogitar se uma atriz como você não fica com cicatrizes deixadas por personagens.
JM – Não fico, é tudo faz de conta. Tenho enorme interesse no comportamemto, porque as pessoas fazem o que fazem, porque as coisas acontecem, as conseqüências do comportamento. Fiquei fascinada pela família Baekeland (família adaptada de personagens reais, em Pecados Inocentes), eles eram realmente problemáticos psicologicamente, era claro que havia ali doença mental, alcoolismo e drogas, necessidade voraz por atenção, ela era maníaco depressiva e alcoólatra, ele foi diagnosticado como paranóico esquizofrênico.
KMF – Você está na capa da Vogue francesa esse mês, em todas as bancas. Você gosta de fazer esse lado "glamour"?
JM – Sabe que gosto?! Essa capa, em especial, eu levei muito a sério, toda a equipe representa o que há de mais sofisticado em estilo hoje no mundo, nós fotografamos muito rapidamente, foi tudo muito fácil, eu tenho que dizer que achei o máximo estar na capa da Vogue francesa.
KMF – Como foi sua experiência em São Paulo, durante o tempo em que filmou lá?
JM – Obviamente que me diverti muito lá, as pessoas foram fantásticas, mas é tão grande, tão movimentada. Até mesmo Fernando voltava impressionado com a energia louca da cidade. É uma cidade de extremos, e acho que isso foi perfeito para o filme, com riqueza extrema e pobreza extrema lado a lado. É mais um exemplo de "será que as pessoas estão vendo isso, ou estão preferindo não ver?" O próprio uso de helicópteros para evitar áreas ruins é uma amostra disso. O que acontece numa cidade como São Paulo é apenas mais dramático, pois é algo que se passa em todo o mundo.
pór Kleber Mendonça Filho
Pergunta – José Saramago viu o filme?
JM – Ainda não, a filha dele estava na sessão oficial, ela gostou muito, o que me deixou feliz. Nesta próxima sexta, eles vão levar o filme para Lisboa para que ele o veja.
KMF– O seu personagem, "a mulher do médico", sai fortalecida no filme. Quando de você mesma foi no fortalecimento da personagem?
JM – Como atriz, a melhor coisa que você tem ao seu dispor é você mesma. Você tenta sempre enfocar do ponto de vista dela e aí você vai se colocando aos poucos. Com essa personagem, eu não conseguia nem enxergar o seu "o arco", se é que ele existe, eu só tinha que ir daqui para ali. Literalmente, ela ia por partes, tipo, "hoje eu faço isso", "hoje eu lavo as roupas dele", "isso está sujo". Há uma cena que infelizmente foi cortada onde eu lavava o cabelo de Alice (Braga), ela tentava se lavar na pia e eu chegava e lavava o cabelo dela. Não era um sistema onde ela pensava "vou ajudar essas pessoas que não estão enxergando", mas pequenos passos tomados em direção a um senso de responsabilidade.
KMF– Qual seria o objetivo do filme para vocês que o fizeram?
JM – Filmes não prevêem nada, filmes apenas refletem. Quando você adapta literatura, tenta-se iluminar uma história com o próprio cinema, tenta-se habitar essa história. Não faz parte do meu trabalho dizer o que vai acontecer porque, afinal de contas, esse filme reflete uma ansiedade que aflige toda uma cultura globalmente. Como Fernando diz sempre, há várias maneiras de olhar para essa história, politicamente, socialmente.
KMF – A cena que muitos comentam no filme é a do estupro do grupo de mulheres, também momento forte originalmente do livro.
JM – Nós nunca duvidamos da capacidade e delicadeza de Fernando para tocar essa cena. Sabia que ele seria específico e cuidadoso em relação ao que ele precisava. Também tínhamos um grupo de atores muito conscientes em relação aos sentimentos dos colegas. É também uma cena importante também até por fazer alguns questionar "será que as pessoas desceriam àquele ponto?" É claro que sim, e um comportamento conhecido nas guerras, estupro. Na verdade, trabalhar o livro Ensaio Sobre a Cegueira é tarefa tão árdua para o ator, especialmente para o meu papel. Como atuar e mostrar que ela quer fazer algo, mas ela não faz? A direção de Fernando (Meirelles) me permitiu desenvolver isso, pois ele administra tanta informação ao mesmo tempo em que ele pinta o quadro com um pincel pequeno, que deixa que o seu rosto fale muito do que fica implícito.
KMF – Na coletiva de imprensa você parecia empolgada com a idéia de filmar com diretores de outras nacionalidades, Fernando Meirelles, brasileiro, um filme recente seu ainda em finalização – Shelter - dirigido por dois suecos, Måns Mårlind e Björn Stein. Há uma diferença entre trabalhar com diretores americanos e estrangeiros?
JM – Eu sou uma atriz americana e aço filmes, em grande parte, americanos. No entanto, o mundo está mudando e essa "experiência global" está se tornando mais presente e ganhando reflexo no mercado de cinema. Ao mesmo tempo, não há uma diferença. É claro que há diferenças culturais, o que, obviamente, vira piada rapidamente, "o que faz os suecos serem o que são?", "porquê brasileiros são diferentes?", mas no final das contas, quando você está ali trabalhando, todos usam o mesmo vocabulário, o do cinema. Outra coisa é que, como artista, abre literalmente outros mundos para você que não estavam disponíveis dez anos atrás, ou mesmo cinco anos atrás. Ensaio Sobre a Cegueira, por exemplo, foi financiado com dinheiro do Japão, Canadá e do Brasil.
KMF – Vendo ano passado Pecados Inocentes aqui em Cannes, fica difícil não cogitar se uma atriz como você não fica com cicatrizes deixadas por personagens.
JM – Não fico, é tudo faz de conta. Tenho enorme interesse no comportamemto, porque as pessoas fazem o que fazem, porque as coisas acontecem, as conseqüências do comportamento. Fiquei fascinada pela família Baekeland (família adaptada de personagens reais, em Pecados Inocentes), eles eram realmente problemáticos psicologicamente, era claro que havia ali doença mental, alcoolismo e drogas, necessidade voraz por atenção, ela era maníaco depressiva e alcoólatra, ele foi diagnosticado como paranóico esquizofrênico.
KMF – Você está na capa da Vogue francesa esse mês, em todas as bancas. Você gosta de fazer esse lado "glamour"?
JM – Sabe que gosto?! Essa capa, em especial, eu levei muito a sério, toda a equipe representa o que há de mais sofisticado em estilo hoje no mundo, nós fotografamos muito rapidamente, foi tudo muito fácil, eu tenho que dizer que achei o máximo estar na capa da Vogue francesa.
KMF – Como foi sua experiência em São Paulo, durante o tempo em que filmou lá?
JM – Obviamente que me diverti muito lá, as pessoas foram fantásticas, mas é tão grande, tão movimentada. Até mesmo Fernando voltava impressionado com a energia louca da cidade. É uma cidade de extremos, e acho que isso foi perfeito para o filme, com riqueza extrema e pobreza extrema lado a lado. É mais um exemplo de "será que as pessoas estão vendo isso, ou estão preferindo não ver?" O próprio uso de helicópteros para evitar áreas ruins é uma amostra disso. O que acontece numa cidade como São Paulo é apenas mais dramático, pois é algo que se passa em todo o mundo.
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